Razão e ser das estruturas / Eduardo Torroja

© Flickr trioptikmal (CC BY)           © Flickr trioptikmal (CC BY)

Na literatura técnica da construção encontram-se centenas de obras, de caráter teórico, sobre o cálculo de suas estruturas; muito poucas sobre as condições gerais de seus diferentes tipos, sobre as razões fundamentais que os determinaram, sobre as bases que devem orientar o problema de sua escolha e as ideias condutoras que guiam o projetista em seu trabalho inicial, seguindo princípios que, pouco a pouco, sua mente foi assimilando, mas sobre os que raramente se para a refletir.

Não se trata, em realidade, de dizer, nesta obra, nada novo sobre o tema. Pretende-se somente acompanhar o técnico e projetista da construção –seja arquiteto, engenheiro ou simplesmente aficionado– em um tranquilo devaneio pelo labirinto, cada vez mais confuso, dessa técnica, para recolher, ordenar e ressaltar ideias e conceitos fora de todo o quantitativo e numérico.

As teorias raramente dão mais que uma comprovação da bondade ou do desacerto das fórmulas e proporções que são imaginadas para a obra. Estas devem surgir primeiro de um fundo intuitivo dos fenômenos, que permanece como um poço íntimo de estudos e experiências ao longo da vida profissional. Disso e somente disso se pretende tratar agora.

O cálculo não é mais que uma ferramenta para prever se as formas e dimensões de uma construção, simplesmente imaginada ou já realizada, são aptas para suportar as cargas a que deve estar submetida. Não é mais que a técnica operatória que permite o passo de umas concepções abstratas dos fenômenos resistentes aos resultados numéricos e concretos de cada caso ou grupo especial deles. O assombroso avanço, que os séculos XIX e XX produziram nas teorias mecânicas das estruturas e elementos resistentes das construções, faz menosprezar excessivamente o estudo ontológico da morfologia resistente. Todo projetista que descuida o conhecimento de seus princípios está exposto a graves fracassos; e o caso é que nas escolas há tanto o que aprender que raramente sobra tempo para pensar.

Para aceitar na concepção e traço das estruturas, e ainda das construções em geral, é necessário meditar e conhecer bem as causas profundas, a razão de ser, de sua maior ou menor aptidão resistente; e se trata de enfocar, agora, a questão, prescindindo de todo o acessório e, em especial, de tudo o que representa um processo ou um valor numérico; se trata de considerar o problema desde os pontos de vista mais gerais e qualitativos. Porque é absurdo descender à concreção quantitativa sem a segurança de ter encaixado o conjunto em seus acertados domínios. É um erro extremamente corrente começar a calcular a viga número 1 sem haver antes meditado se a construção deve levar vigas ou não.

O empenho é audaz, porque, como dizia Confúcio, é tão inútil aprender sem meditar, como é perigoso pensar sem antes haver aprendido de outros; e nesse caso, é raro encontrar, entre a literatura moderna –a de algumas décadas atrás pode, já, resultar inútil–, autores que apresentem o problema tal como agora se pretende embocá-lo. Porém, a mesma banalidade desses comentários, talvez sirva para que outros decidam falar e escrever sobre o tema, cobrindo essa lacuna que acusa a literatura técnica.

Em todo problema desse gênero, se tem uma finalidade com umas condições essenciais e outras acessórias que cumprir; e se tem uns meios para realizá-lo.

A finalidade varia enormemente de um caso para outro, mas sempre existe. Construir por construir é custoso demais para servir de jogo aos homens maduros desta e de todas as épocas. A humanidade constrói para algo. Nem sempre alcança esse algo, porém, constrói para algo.

As obras não são construídas para que resistam. São construídas para alguma outra finalidade ou função que leva, como consequência essencial, que a construção mantenha sua forma e condições ao longo do tempo. Sua resistência é uma condição fundamental, porém, não é a finalidade única, nem sequer a finalidade primária.

Para o que aqui interessa, as finalidades funcionais primárias poderiam se agrupar da seguinte forma:

1º Isolar um determinado volume do exterior. Ou seja, defender esse volume dos agentes naturais exteriores: vento, chuva, neve, ruídos, temperatura, olhares de outras pessoas, etc., etc. Desde o ponto de vista estrutural, se costuma distinguir, nesse grupo, os muros de fechamento e as cobertas.

2º Sustentar cargas fixas ou móveis; ou seja, pontuar ou estabelecer uma plataforma que permita a passagem de pessoas, veículos, etc. São, por uma parte, os pisos dos edifícios, e por outra, as pontes, viadutos, passarelas, etc.

3º Conter empuxos horizontais ou estabelecer um paramento, que suporte os empuxos da terra, água ou outros materiais líquidos, áridos ou matérias análogas. São as represas, paredes de depósitos e silos, muros de contenção, diques de abrigo, etc.

À parte dos grupos de construções estabelecidos, existem outros de menos generalidade –como podem ser tubulações, revestimentos de túneis, mastros, chaminés, canais, cercas, etc.–, e que não são fáceis de classificar rigidamente, nem oportuno o fazê-lo agora.

A finalidade funcional primária vai sempre acompanhada de outras, mais ou menos impositivas, que determinam uma infinidade de variações, e que dão personalidade própria a cada caso concreto.

Assim, por exemplo, o tabuleiro de uma ponte viária deve apresentar superfície lisa e de pouca inclinação para permitir a passagem dos veículos; se é de pedestres, pode apresentar degraus, embora não seja o mais conveniente por razões de comodidade. Uma vivenda necessita de vazios para dar passagem à luz; porém, ainda quando for econômico com novos materiais, pode não convir que seja continuamente transparente em toda sua superfície. E, assim, poderiam se multiplicar os exemplos.

Existem, pois, umas condições imprescritíveis, outras puramente acessórias ou de conveniência, e umas intermediárias absolutamente necessárias qualitativamente, mas que admitem, no quantitativo, uma margem maior ou menor. Por uma ponte estaiada, sem viga de rigidez, será possível passar como num tobogã; porém, ninguém admitiria essa solução; no entanto, uma pequena flecha é bem aceitável. Até onde se aceita a elasticidade do sistema é um ponto difícil de concretar e está sujeito a opiniões puramente subjetivas.

Em todos os casos, há que chegar a um compromisso com as possibilidades técnicas, econômicas, e outras que serão comentadas.

Porém, em qualquer caso, se deve sublinhar a grande importância que tem o fixar, em cada caso, a finalidade e as características da construção proposta, diferenciando nelas o essencial, do conveniente, e do simplesmente acessório.

Por outra parte, toda construção tem uma função resistente que cumprir. Emprega-se aqui a palavra resistente num sentido lato e pouco técnico. Refere-se a todo o conjunto de condições, necessário para assegurar a imobilidade total e parcial; ou seja, a manutenção estática das formas ao longo do tempo.

Porque não basta que sua resistência afaste o perigo de ruptura. É necessário também que a construção seja estável e imóvel. Uma obra pode cair ou tombar sem se romper –romper-se ou não ao atingir o chão é secundário–, pode deslizar sobre a fundação, ou se acomodar ao movimento das ondas como um barco. As construções que serão tratadas aqui, não devem admitir semelhantes movimentos nem resultar deformáveis como um trampolim. Talvez, em lugar de falar de uma função resistente, seria então melhor falar, com mais generalidade, de uma função estática.

A função estática é sempre essencial; porque se uma coisa, para cumprir sua finalidade, não necessita ser resistente e estável, não será chamada construção; ou não entra nas que aqui interessam.

A construção deve manter suas características essenciais por certo tempo mínimo. Essas características não são somente as geométricas ou de forma. Requer-se que os materiais, de que está feita a construção, se mantenham, frente a todo gênero de agentes exteriores; ou seja, que não sejam quebradiços os que sofrerão com o frio; que suportem os efeitos das variações térmicas, do vento, da água do mar e de suas ondas, as marítimas, etc.; que mantenham suas propriedades isolantes térmicas ou sonoras; sua cor, sua massa, etc. Em definitivo, se requer manter suas propriedades, necessárias ou interessantes, frente a qualquer agente ao que estará submetida a construção.

Mesmo reduzindo o problema estático ao tipicamente resistente, convém observar que são muitos e muito diversos os tipos de qualidade mecânica que se podem requerer.

Primeiramente, os materiais devem ser resistentes, em que resistência representa sua aptidão para suportar as solicitações mecânicas a que serão submetidos em cada zona. Para isso, se requer conhecer esses estados de solicitação. Sua dedução, a partir de um conjunto de cargas ou forças exteriores, que são tomados como dados, e das características mecânicas (elásticas, plásticas, etc.) do material, constitui a parte mais tratada em livros e escolas técnicas; por isso, em relação a esta questão, somente dos fundamentos ou linhas gerais se tratará mais adiante.

Porém, não se deve esquecer que, ao redor do fenômeno de resistência tensional interna, se apresentam diversas variantes, cada uma das quais requer, do material, uma propriedade específica, diferente. Em alguns casos, se requer resistência superficial à abrasão –como num piso–, porque estará submetido a um certo tipo de desgaste; em outros, se exige certa dureza, etc. Mas convém deixar, para mais adiante, a discriminação do tema, porque é longo e requer um capítulo à parte.

Passando a outro aspecto: todos sabem que a construção tem sempre algumas condições e limitações do tipo econômico. Igualmente como as demais condições, a obra deve ser o mais econômica possível.

Certamente há obras suntuárias. A razão humana e social do luxo são difíceis de julgar. Seus excessos são sempre criticados; mas aquele está no fundo da natureza humana. O problema, como sempre, está em marcar seus justos limites, que variam muito de um caso para outro. Fora de alguns excepcionais, e até neles, existem sempre alguns limites de carestia que marcam até onde a obra é realizável ou não.  E, em geral, se pode dizer que, em igualdade de efeitos, a condição de mínimo custo é sempre válida e deve ser atendida.

A solução, no entanto, quase nunca é clara e determinada; traduz-se em aumento ou diminuição da segurança da obra, de sua duração, das possibilidades que se perseguem, de sua melhor aparência estética, etc. E se a variável custo é definida numericamente, as vantagens ou inconvenientes que ela implica, em ordens tão diversas, são, com frequência, impossíveis de valorar quantitativamente. Por isso, o ajuizamento, necessariamente subjetivo da questão, dá lugar frequentemente a discussões e opiniões opostas.

No entanto, como em muitos desses problemas, a lógica e inclusive a matemática podem prestar valiosos recursos a serviço do sentido comum e da equilibrada ponderação que devem reger sempre os juízos humanos.

O custo depende, por sua vez, de múltiplas variáveis, tais como: o preço dos materiais, o valor das jornadas e o rendimento da mão de obra; o dos gastos gerais e de toda ordem que pesam sobre o conjunto, assim como do processo construtivo que se eleja, dentro do que os avanços da técnica permitam em cada caso.

E ainda no âmbito econômico há que considerar também os gastos de conservação, que podem resultar diferentes de um material a outro, e inclusive de um a outro tipo estrutural, de umas a outras dimensões. Por outro lado, o custo deve ser visto em relação aos benefícios, diretos ou indiretos, mensuráveis ou imponderáveis, que se esperam da construção.

Costuma-se fazer os orçamentos de cada construção concreta, dentro do estreito marco de condições locais estabelecidas no momento; porém, o técnico, consciente de sua missão no seio da sociedade que o rodeia, deve pensar também se convém, de quando em quando, enfocar o problema desde mais longe, com caracteres de generalidade, e meditar sobre as enormes consequências sociais e econômicas que trazem consigo esses problemas. Que a técnica esteja mais ou menos avançada, melhor ou pior organizada no seu conjunto gremial e adaptada às características próprias do país, pode dar lugar a que, no conjunto da economia nacional e do bem-estar social, se produzam melhoras notáveis ou terríveis perdas que podem representar facilmente centenas de milhões.

A importância que se tem dado a esse tema nos últimos lustros no mundo inteiro, as organizações que se montaram em todos os países, para facilitar e empurrar o progresso da técnica com vistas a uma maior eficácia e um menor custo das construções são temas de maior interesse; mas ficam bastante à margem do que se quer tratar aqui.

Convém, pois, somente recordar –para não voltar sobre isso–, que na economia total de um tipo de construção ou de um elemento, podem influir fatores  tão variados como: o clima, a superfície e densidade da população nacional, a facilidade de seus transportes, a industrialização do país, a capacitação da mão de obra operária, o volume de elementos análogos em outras obras simultâneas ou que serão realizadas num futuro próximo, etc., etc.

Unido ou em pugna com a condição econômica, se apresenta o prazo de construção. Toda obra, numa região e numa época determinada, tem uma marcha de execução que é a mais econômica ou de menor custo direto. Porém, é preciso ter em conta outras razões que podem tornar conveniente a alteração dessa marcha, inclusive por razões econômicas, quando o problema se enfoca em seu conjunto; e, como consequência disso, pode inclusive trocar o tipo estrutural que convenha eleger.

Falta de dinheiro a curto prazo ou razões orçamentárias, com o consequente estabelecimento de consignações anuais fixas, pode obrigar uma marcha mais lenta para evitar o encarecimento que representa um adiantamento de dinheiro em empréstimo. Ao contrário, os interesses intercalados dos capitais sucessivamente imobilizados durante a construção e, ainda mais, o quebranto que representa atrasar os benefícios que a construção deverá produzir uma vez terminada, podem justificar aumentos importantes no custo direto da mesma em favor de uma maior rapidez.

A marcha mais econômica da obra e o próprio tipo da mesma deverão, pois, ser estudados, tendo em conta tudo isso e fazendo o estudo financeiro completo. É um problema de custo e produtividade do dinheiro sucessivamente empregado na obra.

Outro aspecto mais encaixado no tema dessa obra é o aspecto estético da construção.

Há monumentos em que se pode dizer que esta questão constitui ou envolve totalmente a finalidade primária; em outras, de tipo industrial ou de missão puramente sustentante e sem possibilidade de vista, o fator estético é desprezível e pode chegar a desaparecer totalmente.

Até que ponto deverão ser sacrificados por esse fator estético os fatores econômicos será, pois, uma questão de consideração diferente em cada caso; mas sempre deverá ser valorada sua influência, ainda quando for só para justificar seu abandono.

A condição estética deve ser incluída sempre, como uma de tantas condições essenciais ou acessórias da finalidade que se busca. Convirá comentá-la separadamente, porque tem sua modalidade própria e suas relações específicas com a função estática do conjunto; e porque, por outro lado, na maioria das construções, suas exigências não são tão concretas como o resto das que se consideram no grupo de finalidade; ao separá-las, se pode, nesse último grupo, incluir somente as de finalidade utilitária, ou funcionais, que provocam a construção; enquanto que a estética se encontra mais abstratamente unida ao conjunto e mais especialmente –ao menos até hoje– às partes visíveis da construção. Até onde as exigências estéticas são de ordem visual e até onde de ordem intelectivo, quanto se quer que a aparência externa arraste à compreensão dos fenômenos funcionais e estruturais internos, é um ponto difícil de definir e que requer meditação especial. Sobre tudo isso deveremos falar mais adiante.

De todo esse conjunto de considerações e fatores, tão heterogêneos, deverá sair a proposição do problema que o projetista trata de resolver; mas não são eles, de maneira alguma, os únicos que devem ser considerados.

Deve-se ter em conta que, para resolver o problema, o construtor conta com uns materiais determinados e com umas técnicas de construção ou processos construtivos dos que é difícil sair em determinado momento.

Cada material possui um conjunto de características próprias que o fazem mais ou menos apto para um tipo de construção ou parte dela, para um ou outro processo construtivo, para uma forma de solicitação mecânica, etc.

As características próprias de cada material influenciam, pois, no tipo estrutural que se deve eleger. A pedra é apta para resistir à compressão e não o é para a tração. Por sua massa e peso, pode ser boa para aqueles tipos estruturais que se estabilizam pelo peso próprio, e má para outros tipos de solicitação. O processo construtivo é também diferente de um material para outro; e seu aspecto, sua resistência aos efeitos da intempérie, como tantas outras coisas, variam enormemente com a classe de materiais que se empreguem. Uns podem resultar econômicos numa região e caros noutra. A quantidade de variáveis e condições que influenciam é imensa.

Por último, não deve cair em esquecimento a técnica ou processo construtivo que se pretende seguir. Este depende, naturalmente, dos materiais que se utilizem; e, em sua eleição, é preciso ter em conta as outras condições já mencionadas: existência e economia da mão de obra apta para ele, ou da maquinaria auxiliar correspondente; o prazo que obrigue a adotar o sistema mais rápido ou, ao contrário, o mais econômico; o número de repetições de elementos iguais que permita a amortização de determinadas instalações, etecetera.

Em resumo: cada construção tem sua finalidade e suas características próprias; tem, em consequência, umas condições resistentes que cumprir; tem umas exigências econômicas e de prazo de construção; e, em geral, tem também uma interpretação estética mais ou menos exigente. Para realizar dita obra se dispõe de uns materiais com características próprias e de umas técnicas para manejá-los e realizar a obra.

No conceito de finalidade, há sempre umas condições essenciais, que podem ser de ordens muito diversas; há outras que, ainda quando imprescritíveis em sua essência, não são determinadas quantitativamente; e se apresentam, enfim, outras acessórias de pura conveniência, das quais, em último extremo, se poderia prescindir, se fosse necessário sacrificá-las em favor de outras coisas; ou, pelo menos, reduzi-las a um mínimo em suas exigências.

A função resistente ou estática é essencial porquanto, se não o fosse, a obra sairia do tema que aqui se trata; porém, não é nunca a razão-única e finalista da construção. No entanto, interessa destacá-la, porquanto é aquela –ou o que ela impõe em relação íntima com as demais condições– o tema que será analisado e que poderia ser definido assim: “De como eleger o tipo estrutural que, dentro das condições que impõe sua finalidade, resulte mais adequado e econômico para ser construído com os materiais e técnicas que se dispõe”.

Aclarando que, ao dizer tipo estrutural, se faz referência ao conjunto de elementos resistentes capazes de manter suas formas e qualidades ao longo do tempo, sob a ação das cargas e agentes exteriores a que deve estar submetida; ou seja, à parte da construção que garante a função estática antes citada e que, na falta de outra palavra melhor, se chama “estrutura”.

Se dá, aqui, a essa palavra um sentido mais lato que o corrente, que se refere somente ao conjunto de peças prismáticas ou assimiláveis a elas, ao que se aplica normalmente a teoria da Resistência de Materiais –o que antigamente se chamava palificação (palazón)–. Aqui se chama, agora, estrutura, igualmente a isso como a um muro maciço ou a uma represa de gravidade; e, para distinguir melhor, poderia ser reservado o nome de “tramado” para o primeiro grupo de estruturas.

Nas construções da antiguidade, não era tão frequente separar a parte estrutural, ou sustentante da construção, do resto dos elementos do recheio. Hoje, essa distinção total é corrente; e, por isso, há motivo para se ocupar da estrutura em si e em suas relações com o resto de seus elementos. Quando todos eles se fundem num só, como sucede, por exemplo, na represa, o problema segue interessando igualmente desde esses pontos de vista.

Os fenômenos estático-resistentes requererão, portanto, atenção especial; mas, sem esquecer o resto das condições que entram ao problema conjunto da construção. Porque, precisamente o menosprezar o resto, o pensar só na estrutura, é um defeito corrente do técnico; do mesmo modo que o é, frequentemente, por parte do artista, o menosprezar a estrutura ao idear o traço geral e os detalhes do conjunto. As exigências econômicas e estéticas deverão estar sempre presentes no ânimo do projetista, ainda que só se trate de criar a forma estrutural, porque ela só, sem se integrar ao conjunto da construção, não teria razão de ser.

Em definitivo: o problema deve ser formulado com estas quatro premissas ou conjunto delas: finalidade utilitária; função estrutural ou estática; exigência estética, e limitação econômica.

Para resolvê-lo, se dispõe –como se disse– de uns materiais e de umas técnicas. Só mediante a um profundo conhecimento das características mecânicas, e de outras ordens, dos materiais, das técnicas que cada um requer e dos meios que se dispõe para manejá-los, se pode atinar na eleição conveniente, tanto dos materiais como dos processos de execução, e encontrar o tipo estrutural ótimo com suas formas resistentes ajustadas a todas as exigências.

O resultado deve compreender estas quatro coisas: o material, o tipo estrutural, suas formas e dimensões, e o processo de execução em relação com os elementos auxiliares requeridos. As quatro coisas vem unidas e se influem mutuamente; só uma atinada eleição das quatro pode dar a ótima solução; nenhuma pode ser considerada independente das outras, nenhuma pode ser esquecida.

Dependendo de que o material seja a pedra ou seja o aço, variarão essencialmente o tipo estrutural, o processo de execução, as dimensões e os meios auxiliares a utilizar. A carência de determinados meios auxiliares ou seu elevado custo pode tornar proibitivo o emprego de certos materiais ou tal sistema de construção; e não é necessário insistir em que o mesmo sucede com qualquer dos outros pontos.

A variedade de condições, mais ou menos imperativas, que aparecem entre todos esses elementos, torna o problema mais difícil de solucionar. Esquematizando-o em forma matemática se poderia dizer que existem as seguintes:

equações
Finalidade utilitária
Estatismo (função estática)
Qualidades estéticas
Condições econômicas

incógnitas
Material
Tipo estrutural
Forma e dimensões resistentes
Processo de execução

xxx

xxx

xxx

A essas equações devem ser agregadas as que poderiam chamar-se de compatibilidade, que estabelecem as mútuas exigências e influências de umas incógnitas em outras.  Todas elas fazem o sistema incompatível, no sentido de que não é possível satisfazê-las todas plenamente ou em todo o grau que se queira; e é necessário conformar-se com resolver o problema aproximadamente, limitando ao mínimo os inconvenientes, e sacrificando, em parte, condições menos importantes. Somente é possível pretender que o sistema feche com o mínimo de erro.

Os recursos do cálculo só servem para afinar as dimensões ou para comprovar se estão suficientemente afinadas. Todo o demais não se pode obter por métodos dedutivos. Umas comparações podem servir, quando muito, para resolver o problema econômico, determinando qual das soluções preestabelecidas é a mais barata; o resto fica, em grande parte, dentro do campo do subjetivo e opinável, sempre sujeito a críticas e ajuizamentos diversos.

Por isso, o projetar, ainda quando só sejam estruturas, se bem tem muito de ciência e de técnica, tem muito mais de arte, de sentido comum, de afeição, de aptidão, de deleite no ofício de imaginar o traço oportuno, ao que o cálculo só agregará os últimos toques com o respaldo de sua garantia estático-resistente.

Essa rápida visão do conjunto de temas e facetas, que entram ao problema, deverá servir de guia para ir esboçando, uma a uma, as questões que influem nele. Ainda quando se trate de diferenciá-las para poder analisar o problema, todas elas estão tão ligadas entre si, que, continuamente, ao tratar de uma, haverá que se referir a outras; e somente, ao integrá-las depois, poderá ser lograda alguma garantia de acerto em seu ajuizamento.

Não se pretende aqui –e ainda assim é muita a ousadia– mais que dar ideias e conhecimentos gerais; porque a variedade de casos é tal que seria loucura tentar descender ao detalhe. Nada do dito nem do que segue é novo; não é mais que um conjunto de obviedades. Porém, ainda assim, pode ser interessante revisá-las e agrupá-las numas páginas; porquanto, é sempre do maior interesse o meditar sobre elas e o gravá-las mais e mais no espírito –dos técnicos da construção–, para poder, com mais facilidade, seguir as boas normas que, constituindo um hábito ou segunda natureza, deverão conduzir com naturalidade e acerto pelo arriscado e alucinante caminho da criação.

A heterogeneidade dos fatores comentados é tão forte que necessariamente deve ser acusada de uns capítulos a outros. Temas tão diferentes, como o tensional e o estético, requerem forçosamente, não só um tratamento diferente, senão inclusive um estilo de exposição totalmente distinto, que deve chocar o leitor quando passe de um capítulo a outro. Não se quis tratar de dissimulá-lo nem uniformizá-lo porque é precisamente essa diversidade e até antinomia dos distintos fatores, qualidades, conceitos, ideias e sentimentos que o projetista deve levar integrada dentro de si no próprio caráter e idiossincrasia da pessoa. A perfeição do projeto não pode ser a simples consequência do aprendido em livros, senão a natural derivação de uma personalidade bem equilibrada em toda sua complexidade; e no fundo, como sempre, o que interessa fundamentalmente é a formação dessa personalidade.

E ainda uma advertência: o que importa não são as opiniões que dê o autor, quem não pretende impô-las a ninguém; não importa estar ou não de acordo com muitas das que exponha. O que pretende é tão somente chamar atenção sobre elas, porque o essencial é meditar, uma e outra vez, sobre as diversas questões formuladas, até formar um critério próprio e consciente sobre a valoração relativa dos diferentes temas e sua eficaz formar de integração no processo criador da obra.

xxx

© Tradução: Igor Fracalossi. Colaboração: Audrey Migliani.

Referência: Eduardo Torroja, "Planteamiento general del problema", em Razón y ser de las estructuras, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Madrid, 1957, pp.313-324.

Fonte:Igor Fracalossi. "Razão e ser das estruturas / Eduardo Torroja" 27 Mar 2014. ArchDaily. Accessed 28 Mar 2014.  http://www.archdaily.com.br/br/01-178579/razao-e-ser-das-estruturas-slash-eduardo-torroja?utm_source=ArchDaily+Brasil&utm_campaign=d37ee07c5b-Archdaily-Brasil-Newsletter&utm_medium=email&utm_term=0_318e05562a-d37ee07c5b-407774757

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