Bienal de Veneza renova percepção da arquitetura

"O foco nos fundamentos da arquitetura é uma busca de reconciliação frente às crescentes transformações na escala planetária"

Foto: divulgação

  • VENEZA – O arquiteto holandês Rem Koolhaas é uma figura respeitada e controversa, de enorme articulação intelectual. Seja desafiando, expandindo ou desconstruindo os limites da disciplina, mais do que refletir a contemporaneidade, sua ambição é de redefini-la. Escolhido como curador da Bienal de Arquitetura de Veneza de 2014, aberta ao público na semana passada, e em cartaz até 23 de novembro, Koolhaas optou por investigar o que chamou de fundamentos da disciplina e, provocativo, defendeu que esta é uma mostra de arquitetura ao invés de arquitetos.
    A opção é uma reação ao descolamento entre a produção da arquitetura e o enfrentamento das questões urbanas contemporâneas. Em um contexto dominado pelas grandes corporações e pelo capital globalizado, abordado por Kolhaas em 1995 no texto “Cidade genérica”, o território das cidades reflete crescentes indicadores de concentração de renda e de aumento da desigualdade. Neste contexto, coube à elite da arquitetura global – e aos megaeventos – a tarefa de produzir projetos cada vez mais espetaculares, como estratégia de atração de investimentos para as cidades, alienando-a da vida cotidiana das pessoas e afetando negativamente sua percepção pela sociedade.


  • Retrato do descolamento
    O foco da bienal nos fundamentos da arquitetura é uma tentativa de sua reconciliação – e do próprio Koolhaas, ele próprio um representante da elite arquitetônica global – frente às crescentes transformações na escala planetária. Para isto, a curadoria estabeleceu três seções, que investigam os elementos básicos da arquitetura, a condição contemporânea da Itália e como esta pode informar outros contextos, e uma reavaliação do legado moderno nos diferentes países.
    No Giadini, a seção central da mostra denominada “Elementos da arquitetura” apresenta e investiga 15 itens considerados por Koolhaas fundamentais: porta, fachada, parede, rampa, corredor, escada rolante, elevador etc. Cada um é apresentado de maneira autônoma, através de um apanhado de abordagens diversas que tratam de temas como catalogação e preservação, desenvolvimento tecnológico, contexto político, entre outros. O conteúdo fragmentado é uma opção deliberada. Koolhaas não está interessado nos elementos como componentes de uma linguagem, mas na possibilidade de experimentações extremas através de seu isolamento.
    Na seção “Monditalia”, no Arsenale, as disciplinas da arquitetura e do urbanismo foram mescladas a cinema, teatro, dança e música. O conteúdo, produzido por diferentes colaboradores, é bastante político e está permeado pela dimensão performática da arquitetura na produção de espaços e significados. Na instalação de Ila Bêka e Louise Lemoine, em uma tela o arquiteto italiano Stefano Boeri faz um mea-culpa ao passear por seu projeto para o G8 na ilha La Maddalena, na Sardenha, abandonado e considerado um desastre. Em uma projeção paralela, o velho guardião de uma paradisíaca ilha próxima transforma troncos e materiais trazidos pelo mar em objetos e mobília. É um retrato do descolamento atual da arquitetura e um dos momentos mais críticos da bienal. Por outro lado, a exposição “Radical pedagogies”, que obteve menção especial, trata de experimentos de ensino na segunda metade do século XX que abriram – e alguns continuam a abrir – cenários alternativos para o enfrentamento da arquitetura.
    Para as representações nacionais, Koolhaas lançou o desafio de compartilhar a história de sua modernização entre 1914 e 2014, através do tema “Absorvendo a modernidade”. Em 1943, o MoMA inaugurou em Nova York a exposição “Brazil builds”, que apresentou a arquitetura moderna brasileira para o mundo, em um momento marcante para sua afirmação. A exposição “Modernidade como tradição”, que ocupa o pavilhão brasileiro e conta com curadoria de André Corrêa do Lago, segue a mesma linha de “Brazil builds” 70 anos depois, alinhando uma impressionante série de projetos desde as referências na arquitetura tradicional até os dias atuais, em uma mostra correta porém burocrática, sem investigação de formato e sem espaço para experimentação. A impressão é que falta ambição à representação brasileira.
    Consagrado com o Leão de Ouro, o Pavilhão da Coreia pôs lado a lado fatos e exemplos da arquitetura das Coreias do Sul e do Norte, que entre outras coisas tratam de como a ideia de monumentalidade vem sendo explorada por ambos os países como afirmação de poder. Mas seu ponto alto é o mapeamento da faixa existente na fronteira entre os países, provavelmente o território mais militarizado e tenso do mundo, que permanece como um corredor ecológico justamente por esta condição.
    Reconhecido pela qualidade de sua arquitetura contemporânea, o Chile recebeu o Leão de Prata com uma exposição sobre as controvérsias políticas e ideológicas detonadas por um painel pré-fabricado de concreto assinado pelo então presidente Salvador Allende, comemorando a instalação de uma fábrica de habitações pré-fabricadas doada pelos soviéticos para o governo chileno. A peça, que havia sido retirada pelo general Pinochet, foi instalada no centro do espaço destinado ao país.
    A pré-fabricação para habitação foi ainda tema nos pavilhões inglês, francês e russo. Obscurecida pelo debate ideológico, fica evidente a necessidade de sua revisitação com olhos mais isentos. É justamente neste ponto que está a maior virtude desta bienal: renovar a percepção e significação de elementos e fatos já conhecidos ao invés de celebrar a novidade pela novidade.
    Pedro Rivera é arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU-UFRJ), tem mestrado em urbanismo no PROURB. Atualmente é professor da PUC-Rio, sócio do RUA Arquitetos e diretor do Studio-X Rio, que faz parte de uma rede global de laboratórios para pensar o futuro das cidades da GSAPP Columbia University.


  • Via www.oglobo.globo.com

        Fonte: http://www.arqbacana.com.br/internal/arq!ideias/read/14001/bienal-de-veneza-renova-percep%C3%A7%C3%A3o-da-arquitetura

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