Como conciliar docência e atividades em escritório

Por Juliana Nakamura
Edição 243 - Junho/2014
Daniel Beneventi

Vistas como atividades complementares, a docência e o trabalho projetual no escritório podem proporcionar ao arquiteto experiências e conhecimentos únicos, todos muito úteis para seu aperfeiçoamento profissional, em ambas as áreas, e também o pessoal.
Quem experimenta a dupla jornada diz que, apesar do esforço necessário para conciliar as demandas de cada função, o resultado é compensador, e beneficia a universidade, que pode dispor de um professor com vivência prática para compartilhar com seus alunos, e o próprio profissional, que leva para seu escritório novos conhecimentos e visões absorvidos no meio acadêmico.

MÃO DUPLA
"A práxis do escritório leva notícias frescas para a universidade, quebra tabus e areja os dogmas sacramentados do ensino. Também permite que outros experimentalismos sejam conduzidos e absorvidos sem a pressão do contratante, tanto em discussões no escritório quanto em concursos de arquitetura", diz Marcelo Barbosa, titular do escritório Bacco Arquitetos Associados e professor da disciplina de Projeto de Edificações na Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie.
"É sempre uma via de mão dupla", comenta o arquiteto Leonardo Shieh, que se divide entre as atividades no escritório que leva o nome de sua família e a carreira como docente da Universidade São Judas Tadeu, na qual leciona a disciplina Projeto de Arquitetura. "A diversidade de soluções em arquitetura é sempre muito ampla e, muitas vezes, o professor se inspira e aprende com os alunos, ainda que indiretamente."

FRUTO DA INFLUÊNCIA
São vários os resultados colhidos pela maior aproximação entre a universidade e a prática cotidiana no escritório de projeto. Leonardo conta que um exercício que sempre propõe a seus alunos do primeiro ano da graduação é encaixar o programa de uma habitação para um casal em um cubo hipotético de 4 m. Para isso dar certo, os estudantes precisam criar um pequeno mezanino e trabalhar com relações de alturas limitadas.
"De uns tempos para cá, após expormos as casas do japonês Sou Fujimoto, notamos que os projetos se enriqueceram e que os alunos passaram a trabalhar muito com pequenos desníveis incorporados no mobiliário", revela, ressaltando que esse é um tipo de exploração microespacial que dificilmente acontece no dia a dia do escritório, mas que faz cada vez mais sentido tendo em vista a redução das casas e apartamentos. Em outras palavras, é o pensamento inovador, típico das mentes universitárias, se infiltrando na prática de escritórios consolidados e atuantes no mercado.
Marcelo conta outro episódio em que a interação com a academia auxiliou a prática do seu escritório. No início dos anos 2000, no desenvolvimento de um conjunto habitacional para a Cohab no bairro do Ipiranga, em São Paulo, o arquiteto utilizou caixilhos de dimensões variadas para iluminar e ventilar locais específicos, como a bancada da pia, cantos da sala, de modo a prescindir de luz artificial. A inspiração para a solução pouco convencional surgiu da pesquisa exaustiva que ele havia feito sobre os projetos do arquiteto Franz Heep, quando se preparava para iniciar sua carreira de docente.

SINTONIA FINA
Não só na arquitetura, mas também em outras áreas, fala-se muito sobre a dissociação e um possível descompasso entre os conteúdos oferecidos na universidade e as exigências do mercado. "O que se ensina nas universidades é o contato e a convivência com um universo de conhecimentos generalistas e específicos. O que se pratica no cotidiano profissional é a aplicação objetiva desse universo de conhecimentos", distingue o arquiteto Marcus Lima, professor do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Anhembi Morumbi.
A existência de profissionais que se dedicam simultaneamente ao projeto e à docência, além de ser um ponto de sinergia entre os dois campos, é também bastante valorizada - especialmente nas universidades privadas, que entendem a prática profissional como essencial para o exercício da docência.

GERENCIAR O TEMPO
Quem se divide entre a docência e o escritório tem a vantagem de contar com um complemento de renda estável, diferentemente do que acontece nos escritórios, nos quais a remuneração dos sócios varia em função do ingresso e do porte de novos projetos.
Gerenciar o tempo, contudo, é o grande desafio. Muitas vezes, a dupla jornada resulta em uma rotina estressante, que inclui expediente em horário comercial no escritório, ministrar aulas à noite ou pela manhã e atividades extras para preparo de aulas e correção de trabalhos. Não raro essas tarefas acabam tomando horas que deveriam ser de descanso, nos fins de semana.
Para Leonardo, o equilíbrio entre as duas funções passa em grande medida por disciplina e organização de tempo e tarefas. O profissional precisa, por exemplo, levar em conta que a exigência da carreira acadêmica vai além das horas efetivamente despendidas em sala de aula.
Mas há casos em que o aquecimento das atividades do escritório acaba exigindo medidas mais extremas, como o licenciamento. Foi o que aconteceu com Marcelo Barbosa. "A carga horária exigida do professor é grande para quem tem uma empresa atuante no mercado e necessita fazer reuniões e viagens, além de ter o tempo da elaboração do projeto", lamenta.

CARREIRA ACADÊMICA
Quem pensa em lecionar no ensino superior deve dedicar tempo e esforço à obtenção de titulação (mestrado e doutorado). As oportunidades para quem quer manter produção paralela em escritório acabam sendo maiores no setor privado. Isso porque, de modo geral, as vagas em universidades públicas exigem profissionais com dedicação exclusiva.
Segundo Marcus, para a contratação de professores arquitetos as universidades buscam profissionais cultos, estudiosos e curiosos, com experiência na elaboração de projetos, os mais variados possíveis, e também com alguma experiência em obras.
"Para o arquiteto que pretende ingressar na área acadêmica, uma dica é buscar se aproximar do papel de professor aos poucos", recomenda Leonardo. Isso pode ser feito com a participação como auxiliar de ensino - possibilidade aberta em muitos programas de mestrado - e como avaliador de bancas de Trabalhos Finais de Graduação (TFGs).

Entre a universidade e o escritório - 8 dicas práticas para quem quer conciliar a dupla jornada

Daniel Benevent

1 Tenha uma rotina e horários pré-definidos. É importante que o pessoal do escritório saiba de antemão os dias e horários em que você estará fora
2 Procure se desligar de uma atividade enquanto estiver realizando outra. Enquanto estiver na faculdade, evite resolver problemas do escritório e vice-versa
3 Procure lecionar uma disciplina que tenha a ver com o seu trabalho ou sua pesquisa acadêmica
4 Reserve um período, preferencialmente durante a semana, para preparar as aulas. Os alunos também gostam dos professores que fazem sua lição de casa
5 Utilize as redes sociais e a internet como ferramenta de ensino e instrumento de comunicação com os seus alunos
6 Procure reduzir as distâncias dos deslocamentos. Sua rotina será mais tranquila se se escritório estiver na mesma região da universidade
7 Não seja centralizador. Delegue funções a subordinados no escritório. Comece pelas rotinas e procedimentos operacionais, depois delegue atividades e trabalhos de maior responsabilidade, desde que a pessoa esteja apta para assumir a tarefa. Se necessário, treine-a
8 O tempo de descanso é reduzido para os profissionais que se dividem entre a universidade e o escritório. Por isso, valorize o seu tempo livre

Fontes: arquitetos entrevistados e consultores em gestão de tempo
Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/243/como-conciliar-docencia-e-atividades-em-escritorio-313093-1.aspx

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