Como conversar com o cliente

or Cleide floresta

Edição 236 - Novembro/2013

Um cliente quer colocar a cozinha como vedete da casa e, para isso, propõe que o cômodo fique entre as áreas social e de estar, transformando o espaço em circulação. Outro quer mudar o projeto a todo instante - como se pretendesse ele mesmo conceber o desenho. Enquanto um terceiro quer usar pastilhas de vidro no banheiro.

De um mero detalhe a uma grande interferência, os arquitetos lidam diariamente com os desejos de seus clientes, orientando-os, explicando suas opções, ao mesmo tempo em que buscam encantar as pessoas e realizar o trabalho no qual acreditam. Nem sempre é fácil, mas também não é impossível.

Tudo isso se agrava quando se trata de pessoas físicas, situação em que, muitas vezes, o arquiteto tem que lidar com o sonho de uma vida inteira.

E, por se tratar de uma relação entre pessoas com seus próprios gostos, necessidades e repertórios, uma dose de didatismo e paciência é essencial. Algumas ações podem facilitar ou até mesmo mostrar se vale a pena investir na relação.

PRIMEIRO CONTATO
Para o arquiteto Marcelo Suzuki, o entendimento da relação projetista-cliente começa ainda antes do briefing, quando ele ainda é um potencial cliente. É preciso entender como ele chegou até o profissional.

"Em que momento a pessoa resolveu fazer o pedido exatamente a você e por quê? Já conhece sua obra? Tem amigos que conhecem? Viu em revistas?" Ao responder a perguntas como essas, o cliente pode pensar se realmente está aberto às propostas do profissional que procurou e também dar ao arquiteto argumentos para que ele aceite ou recuse o trabalho.

DEFINIÇÕES INICIAIS
Partindo do pressuposto de que a pessoa conhece o arquiteto, parte-se assim para o briefing, quando será definido o programa do imóvel. Mais uma vez, não há regras: alguns profissionais preferem seguir um questionário predeterminado para não deixar nada escapar e extrair o maior número de informações possível - e até para provocar dúvidas nos clientes; outros partem para conversas mais informais. Nessa etapa, vale uma visita com a pessoa ao terreno onde será instalado o imóvel.

Esse início (quando se listam as necessidades) e a apresentação dos estudos preliminares são considerados pontos-chave na relação cliente-arquiteto. "O briefing é a oportunidade de comentar o que os clientes pedem e já embutir muitas questões orientativas", afirma Marcelo, que prefere conversas a questionários preestabelecidos.

Para o arquiteto Conrado García Ferrés, sócio da FMC Arquitetura, além de ouvir, o profissional deve saber mostrar o que faz, descrevendo cada etapa do processo. "Muitos acham que o projeto é um desenho, então é importante explicar o que envolve, o que é um projeto executivo, o papel dos memoriais. Deixar claro pelo que estão pagando. Na hora de apresentar o projeto, é a mesma coisa: é preciso explicar a solução, por que aquele espaço está onde está, como será o fluxo interno etc."

FIM DA LINHA
Nem sempre detalhar como e por que se chegou a uma solução é suficiente para o cliente aceitar executar o projeto apresentado. Se é difícil ter um pedido que inviabilize tecnicamente um projeto, não são tão raros os impasses por questões estéticas, comentam os arquitetos

"Já aconteceu de desenvolvermos um estudo preliminar quando o cliente apresentou o programa que ele queria, e a pessoa voltar com fotos das casas dos amigos de Miami", conta Conrado, destacando que é mais fácil resolver problemas quando o pedido é por mudanças pontuais. No caso citado, não houve acordo e o escritório abandonou o trabalho.

Situação parecida aconteceu com a arquiteta Flavia Cancian. Ela conta que um cliente seu nunca ficava satisfeito com as soluções e que, por isso, foi preciso romper a relação. "Ele queria desenhar a casa. Chegamos ao limite, e depois soube que ele não construiu casa nenhuma, acabou indo para um apartamento."

Questionário típico para entender o cliente

OBRAS RESIDENCIAIS

- Qual a necessidade dos espaços: salas, quartos, banheiro, garagem, cozinha, empregados, lazer etc.
- É a residência de férias ou m de semana? Como é a rotina nesses períodos?
- É uma casa para moradia permanente? Busque saber como é a vida no cotidiano, e organizar o espaço para que essas atividades se desenvolvam da melhor forma possível
- É preciso também conhecer o tipo de casa que o cliente espera quando o assunto são os custos, tipo construtivo etc.

ESCRITÓRIOS

- As perguntas giram em volta do organograma funcional: número de funcionários, grupos funcionais, inter-relacionamento dos departamentos, necessidades de salas de reunião, de áreas técnicas etc.
- É preciso saber a expectativa de crescimento a curto, médio e longo prazo. Anal, ninguém quer fazer um escritório para se mudar em um ano
- Entender os padrões da empresa com relação a imagem, cores e outros elementos, se existem padrões de mobiliário, padrões de móveis e de espaço por hierarquia ou outro critério

INDÚSTRIAS

- O principal é entender o tipo da indústria e as necessidades de espaço: layout de produção, uxograma de produção e produtos, alturas necessárias nos galpões, carga estimada para o piso industrial, espaço de estocagem de matéria-prima e produto acabado, tipos de caminhões que acessam a fábrica
- Também é preciso investigar como é a produção: consumos estimados de água, energia elétrica e combustíveis; uso ou não de produtos químicos; necessidades de tratamento de esgotos industriais
- Como é a divisão de trabalho e o número de funcionários por turno, para dimensionar vestiários, cozinha e refeitório
- Quais os organogramas funcionais da administração, necessidades de salas de reunião, auditórios, showroom etc.

Fonte: FMC Arquitetura

DIÁLOGO QUALIFICADO
Se as situações extremas existem, nem sempre os impasses significam fim da linha. "Ao apresentar o estudo preliminar, é preciso ser claro em relação aos aspectos do projeto que são diferentes do que os clientes imaginavam, demonstrar as virtudes da opção apresentada em relação à hipótese original. Mas também é preciso paciência. Não ser o gênio ofendido para reajustar o estudo com observações que os clientes fazem e têm o direito de fazer", contrapõe Marcelo.

Essa também é a opinião de Flavia, que afirma que, com respeito, os impasses podem ser resolvidos de uma forma boa para todos. "Certa vez, um cliente chegou com um pedido de uma vila italiana. Nós não construímos vilas italianas. Então, quando conseguimos esmiuçar, vimos que ele queria aquele clima da vila, do convívio. Pouco a pouco chegamos à solução", relata.

Para a arquiteta, o importante é saber ouvir o cliente: "Muitas vezes, as ideias mais criativas de um projeto vêm de uma solicitação dele. Cabe ao arquiteto formalizar essa expectativa dentro do seu partido arquitetônico. Porque fazer um projeto é sempre tomar decisões".

AUXÍLIO DE IMAGENS
Nesse exercício de esclarecimentos e orientações, arquitetos podem se valer de vários recursos: da perspectiva ao desenho, passando pelos projetos. Fotos de seus trabalhos ou de colegas de profissão são valiosos. "Mostrar que aquela solução já foi executada é sempre uma boa opção. Dá mais segurança à pessoa", afirma Flavia.

Luiz Eugênio Ciampi, sócio diretor da AD Arquitetura, conta que o escritório usa todo tipo de ferramentas para auxiliar a visualização de uma solução. "Trabalhamos muito com referências de desenho ou fotografias, a partir de projetos já desenvolvidos pelo escritório ao longo dos anos e de outros bons projetos de arquitetura desenvolvidos por outros colegas", afirma.

Uma coisa é certa: se o cliente chegou até aqui, é porque quer a solução de um especialista.

Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/236/como-conversar-com-o-cliente-301132-1.aspx

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