Siegbert Zanettini - O arquiteto do aço, do concreto, da madeira...

Rodrigo Marcondes Ferraz conta como o arquiteto Siegbert Zanettini, conhecido como o Papa do Aço, construiu sua carreira ao longo de 50 anos

Edição 200 - Novembro/2010

Ao longo de 50 anos, Siegbert Zanettini construiu uma carreira repleta de obras de diversas escalas e programas. Conhecido como o Papa do Aço, pela pioneira atividade com o material, o arquiteto tem expressivas experiências com a madeira e uma importante obra com o concreto, ainda no início de sua carreira sob forte influência do modernismo. O trabalho com os hospitais, a longa carreira acadêmica e as mais de 100 agências bancárias que projetou mostram a total entrega de um homem ao seu ofício.

divulgação Zanettini

1967 - Residência Leonardo Sacco, em São Paulo

Nascido em 1934 e filho de um extraordinário marceneiro, Siegbert Zanettini desde cedo teve contato com as atividades manuais, com o saber fazer e com a noção da importância de um bom projeto. E, mesmo após 50 anos de carreira completados em 2010, o arquiteto jamais se esquece de mencionar como foi importante o convívio com seu pai e como isso influenciou boa parte da sua obra, notadamente o período das casas com estrutura de madeira laminada, além de todo o trabalho com estruturas metálicas. Formado no final da década de 1950 na FAUUSP, Zanettini faz parte de uma geração de arquitetos formada ainda sob a égide do modernismo. Numa FAUUSP polarizada entre as posições de Wright e Corbusier, Zanettini sempre trafegou bem entre esses dois mundos. Se por um lado se identificava mais com a obra de Wright, é no modernismo de Corbusier que podemos encontrar as mais fortes influências de suas primeiras obras, ainda na década de 1960.

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1968 - Hospital Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo

Boa parte dessas primeiras obras foi feita juntamente com Cândido Malta e Manoel K. Corrêa, com quem Zanettini teve seu primeiro escritório. Durante algum tempo eles tanto projetavam quanto construíam as suas obras - o que, além de demonstrar uma forte preocupação com os métodos construtivos (fato que marca toda a carreira de Zanettini), fez com que ele tivesse um íntimo contato com o ambiente da construção e, a partir daí, pudesse começar a discutir o processo produtivo das edificações no País. Em 1967 o arquiteto publica o texto Habitação/ implicações do processo de industrialização, em que discute a construção civil no Brasil, com emprego de mão de obra abundante e despreparada, baixíssimo grau de industrialização, grandes desperdícios e pouca qualidade. Nesta primeira fase de sua carreira, destaca-se a grande participação em concursos, com algumas premiações. O projeto para o museu do IEA (Instituto de Estudos Avançados) e o projeto para a sede do clube Sírio Libanês de Santos são dois exemplos da produção dessa época. Marcados pelo extenso uso do concreto armado, pelas feições mais brutalistas das construções ligadas às ideias da escola paulista e pela liberdade das formas, também possuem influência da arquitetura moderna brasileira ao trabalhar livremente as possibilidades plásticas do concreto.

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1970 - Residência Paulo Amaral Gurgel, em São Paulo

Muitas casas são projetadas e construídas nesta época, como a sua própria em São Paulo. Estas construções se assemelham pelo uso de uma grande laje de cobertura em concreto, que abriga as diversas funções do programa, dispostas de forma livre dentro desse espaço. Os volumes arredondados dos ambientes molháveis, soltos no meio das residências, são característicos dessa época. Ainda que, de forma pontual, algumas experiências com a industrialização, mais na escala do desenho industrial, começam a aparecer, como no sistema de proteção solar dos caixilhos da residência Leonardo Sacco ou no banheiro da residência Antônio Ribeiro Saraiva. A residência Salomé Migdal, que recebeu em 1967 o prêmio Carlos Barjas Milan pelo IAB, é uma primeira aposta em materiais inovadores, como a estrutura metálica e o material plástico na cobertura. Mas o que predomina na obra de Zanettini na década de 1960 e durante boa parte dos anos de 1970 são edificações como a residência Sérgio Mauro Giorgi, com estrutura e fechamentos de concreto armado, pilotis, o térreo livre e rampas para a circulação vertical.

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1972 - Indústria Maio Gallo, em Guarulhos, SP

Após a morte prematura de seu sócio Manoel e devido ao fato de Cândido Malta enveredar para o lado do urbanismo, a sociedade entre os três é desfeita. Em 1968, já trabalhando sozinho, Zanettini vence o concurso para o projeto do hospital e maternidade Vila Nova Cachoeirinha. É o primeiro projeto de grande porte do arquiteto. Aqui, mais importante do que a estrutura de concreto armado ou as influências modernistas, é constatar a habilidade com que o ainda jovem arquiteto lidou com o programa, como soube contrariar o edital do concurso, que previa uma implantação errônea para o conjunto, e como soube propor novas soluções para um organismo complexo, como um hospital. Ao propor uma separação de atividades em duas áreas distintas - assistência concentrada e assistência mínima - o arquiteto altera a disposição tradicional dos hospitais, até então focados na emergência completa e que representava apenas 20% da população do hospital. A partir dessa bem sucedida experiência e até hoje, diversos outros hospitais foram projetados por seu escritório. Os complexos programas hospitalares fizeram com que o arquiteto enxergasse a arquitetura de forma mais holística e desenvolvesse uma grande capacidade de trabalho em equipe.

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1975 - Residência de Campo Zanettini, em Atibaia, SP

Zanettini costuma dizer que em seu escritório não se fala em projetos complementares, ao se referir aos projetos e estrutura e instalações - "são todos parte de uma grande equipe propositiva em que todos têm a sua função". Essa experiência desenvolvida ao longo de sua carreira foi de fundamental importância para grandes projetos recentes, como o Centro de Pesquisas da Petrobrás, no Rio de Janeiro. Outro belo exemplo de sua arquitetura hospitalar é o Hospital de Ermelino Matarazzo, na década de 1980, em que o arquiteto conta com enorme participação popular para a construção do que julga ser um de seus melhores projetos de hospital. Zanettini chega a projetar até os berços sobre rodas do berçário, em uma integração completa entre disciplinas e grande preocupação com as diversas escalas do projeto.

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1977 - Agência do Banespa na Avenida Santo Amaro (Borba Gato), em São Paulo

Vida acadêmica
Ainda na primeira metade da década de 1960, Zanettini é convidado a integrar o quadro de professores da FAUUSP. A partir desse momento, o arquiteto desenvolve uma importante carreira acadêmica paralela à do escritório e passa boa parte de sua vida em contato com os estudantes e professores da escola. Zanettini leva para a academia a sua visão holística da arquitetura e tenta mudar o sistema tradicional de ensino estanque da faculdade ao propor trabalhos conjuntos de diferentes disciplinas com a participação de alunos de diferentes anos. O arquiteto faz mestrado, doutorado e livre docência nesta mesma faculdade, discutindo questões importantes da arquitetura e da construção no País. Na década de 1970, ajuda a fundar a escola de arquitetura de São José dos Campos e muitas vezes foi convidado a dar aulas e palestras em faculdades no exterior. O arquiteto sempre encarou com muita alegria a sua atividade acadêmica e essa energia não era notada apenas nas filas nos estúdios da FAU, para atendimentos com o grande professor, mas era um fator importante para alimentar a sua arquitetura com o que havia de novo. A produção intelectual e a atividade profissional andaram sempre lado a lado, ao longo de sua vida.

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1985 - Hospital Ermelino Matarazzo, em São Paulo

A madeira
No início da década de 1970, Zanettini inicia uma série de experimentos com estruturas de madeira laminada. Muitas casas foram projetadas com esse sistema, que utilizava vigas de pinus colado. O contato prévio com a madeira, desde a infância até a época da faculdade, em que Zanettini projetava, fabricava e vendia cadeiras e outros móveis para aumentar sua renda, foi importante para esse trabalho - principalmente em uma época em que o País não via a madeira como um material nobre, mas como um meio para a construção em concreto. Apesar da grande variedade e quantidade de madeira disponível no País, era apenas utilizada para as fôrmas, apoio nos andaimes ou para a escora das lajes. Uma consciência ecológica incomum para a época sugeria que, ao invés de espécies de madeira nobre, fossem utilizadas vigas de pinus, uma madeira de reflorestamento, produzidas e tratadas industrialmente, que resistiam aos insetos, venciam grandes vãos e davam flexibilidade para seu trabalho. A residência Paulo Amaral Gurgel e a residência de campo do arquiteto são os principais exemplos dessa fase, que conta com uma série de projetos com a mesma inspiração da década anterior.

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1987/2010 - Escritório de arquitetura Zanettini, em São Paulo. Abaixo, à direita o escritório é desmontado para ser montado em outro terreno

Edifícios industriais e o aço
A partir de 1972, Zanettini inicia alguns experimentos com o projeto de edifícios fabris. Além de uma discussão sobre sistemas construtivos, materiais e detalhamentos adequados para o Brasil, considerando-se o clima e o desenvolvimento da nossa indústria (pois muitos dos projetos feitos aqui nesta época eram simplesmente trazidos de fora), Zanettini também demonstra uma forte preocupação social para a implantação dessas indústrias. Como elas se inserem na cidade, que tipos de serviços vão oferecer aos seus trabalhadores além do edifício da produção, como será menos poluente e como a cidade será protegida dos ruídos causados por estas fábricas eram algumas de suas preocupações. A indústria de Maio Gallo é um dos exemplos dessa época e neste projeto Zanettini propõe junto à fábrica uma série de espaços de recreação, esporte e cultura, com biblioteca e salas de aprendizado técnico que complementariam o dia a dia dos funcionários. O arquiteto propõe ainda uma área de habitação para os funcionários, que não é aceita. Talvez ainda mais importante do que essas iniciativas é o fato de utilizar, pela primeira vez, as estruturas metálicas em grande escala - e o arquiteto se encanta com a rapidez e a facilidade de montagem das coberturas, com a limpeza do canteiro e com os grandes vãos vencidos com a utilização de muito pouco material. A partir dessas experiências, Zanettini entra definitivamente na era do aço, que vai marcar todo o restante de sua carreira.

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1989 - Escola Panamericana de Arte (Avenida Brigadeiro Luiz Antônio), em São Paulo

Entre 1976 e 1979, o arquiteto desenvolve um interessante trabalho com agências bancárias. Foram 126 agências projetadas em dois anos em todo o País para o Banespa e outros bancos, como a Caixa Econômica Estadual. A grande quantidade de agências a serem construídas permitia que se pensasse na economia de escala, na padronização de componentes e de soluções e na modularidade. Evitou-se a padronização de projetos, buscando-se a correta implantação de cada agência nos terrenos determinados e a boa relação com o entorno existente. Adaptaram-se assim os edifícios à cidade e não o contrário. Zanettini participou ativamente, junto com outros importantes arquitetos da época, do processo de formulação e construção das novas agências do Banespa nesse período, fortemente marcadas pelas estruturas de concreto aparente com papel predominante na configuração dos espaços. Nestes projetos, a suntuosidade dos materiais foi substituída por materiais práticos e duráveis, de aparência limpa. As instalações ficavam aparentes e a flexibilidade das agências foi aumentada, além da separação entre público e funcionários ter ficado muito mais tênue. Os grandes panos de vidro e a ausência de grades fizeram com que esses edifícios se transformassem quase que numa extensão da rua, atraindo os clientes. O paisagismo foi trabalhado buscando a integração do interno e externo e qualificando as áreas de trabalho e do público.

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1996 - Monorail da Barra, no Rio de Janeiro

É, entretanto, a partir da década de 1980, que o trabalho mais conhecido de Zanettini surge. Descontente com o fato de o modernismo ter perdido as suas principais causas e ter virado mais um estilo a ser seguido e, ao mesmo tempo, não concordando com Venturi e os pensadores do pós-modernismo, o arquiteto parte para um trabalho que apresenta a sua linguagem mais própria, rompendo com o formalismo racionalista e inspirado em alguns dos principais arquitetos da época, como Richard Rogers e Norman Foster. Nesta época, Zanettini desenvolve inúmeros projetos, onde o aço é o elemento principal de cada obra. Os centros esportivos da Telesp e a primeira Escola Panamericana de Arte, além de centros esportivos, hospitais, clínicas e agências bancárias são alguns exemplos desse período. Talvez a obra de maior destaque dessa década seja seu próprio escritório. Nele, Zanettini pôde exercitar a estética do vazio, que tanto enfatizava, no seu próprio espaço. Pôde testar novos materiais e técnicas construtivas e demonstrar as qualidades do aço, como a rapidez da montagem e a flexibilidade. Atualmente, 23 anos após a construção do prédio, o arquiteto teve novamente a oportunidade de explicitar essa flexibilidade após vender o terreno em que o prédio foi construído a uma construtora. Trabalhando temporariamente no escritório de seu colega de faculdade, Eduardo de Almeida, Zanettini vê seu prédio ser desmontado e remontado em um terreno vizinho.

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1997 - Escola Panamericana de Arte (Avenida Angélica), em São Paulo

As duas grandes treliças do edifício sequer precisarão ser repintadas, tamanha a qualidade da pintura de fábrica da época. Os painéis de fechamento serão substituídos por conta de cupins e algumas pequenas atualizações serão executadas no prédio, mas tudo o que o arquiteto defendeu ao longo das últimas décadas está comprovado neste processo. O prédio será literalmente transplantado para outro local. A última fase da carreira de Zanettini é marcada por um universo rico de obras, como universidades, dezenas de hospitais, estações, escolas, edifícios comerciais, passarelas, residências etc., além de projetos urbanos, planos diretores, conjuntos habitacionais, entre outros, que renderam diversas premiações ao seu escritório. A visão de que a arquitetura apresenta, por natureza, um caráter interdisciplinar que jamais prescinde de cada especialidade, a questão ambiental, o desenvolvimento e a utilização de tecnologias limpas e o aumento na qualidade do detalhamento e da construção dos edifícios marcam fortemente este período.

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2010 - Cenpes (Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras), no Rio de Janeiro

Algumas obras, como as estações de monorail no Rio de Janeiro ou a segunda unidade da Escola Panamericana em São Paulo, tornam-se muito conhecidas, mas o projeto que talvez resuma toda a evolução de sua obra seja a nova sede do Centro de Pesquisas da Petrobras. Neste enorme projeto, Zanettini e sua equipe se debruçaram durante os seis últimos anos em um trabalho frenético que gerou mais de 100 mil documentos. A sua visão holística sobre arquitetura atinge o ponto máximo, em um trabalho de grande união entre todos os escritórios envolvidos para resolver as questões do clima, da redução do consumo energético, da economia de recursos, da estética, das centenas dos sistemas existentes nos laboratórios, da urbanização, da recomposição dos sistemas naturais.
Um grande eixo estruturador de circulação, aberto para a direção dos ventos predominantes, articula todos os espaços, separa os visitantes dos pesquisadores e permite o fluxo de energia, água, os quase vinte tipos diferentes de gases, entre outras particularidades. A flexibilidade e a possibilidade de alterações futuras são totais. Jardins permeiam os ambientes e o prédio conta com os mais modernos sistemas de reaproveitamento de água e geração de energia. Mais do que encerrar tão profícua carreira, uma vez que seu escritório continua a produzir edifícios em grande número, Zanettini considera essa construção um divisor de águas não só de sua produção, como da arquitetura nacional - um projeto que representa a nossa cultura, ao mesmo tempo em que olha para o futuro, une equipes, respeita o meio ambiente e qualifica o local onde se insere.

Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/200/artigo191283-1.aspx

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