Charles Correa une a análise da arquitetura tradicional indiana com uma abstração moderna ocidental. Confira artigo de Luiz Florence sobre a obra do arquiteto


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A carreira do arquiteto indiano Charles Correa (1930-2015) reflete as primeiras décadas de sua terra natal como um subcontinente livre - a Índia, então colônia britânica, tornou-se independente logo após a Segunda Guerra Mundial. Mas, mesmo com a independência, não há uma linha exata que defina o quanto este país foi verdadeiramente emancipado da cultura ocidental. A mesma dificuldade encontra o historiador da arquitetura quando pesquisa sobre a carreira do prolífico arquiteto, considerado por críticos e historiadores como o maior arquiteto da Índia livre.



Como afirma a historiadora norte-americana Gwendolyn Wright, em Building global modernisms (2002), o Modernismo nasceu em um mundo emoldurado pelo colonialismo. E o modernismo, de fato, nunca foi homogêneo. Uma miríade de variações locais definiu o modernismo como um evento de intenções transnacionais. Nesse sentido, tratar o estilo internacional e o modernismo como sinônimos causou um equívoco histórico de interpretação. O modernismo foi visto, durante quase todo o século 20, como uma agenda de supressão das expressões locais de arquitetura. Tal processo torna-se mais agudo em nações recém-emancipadas, como a Índia. A obra de Charles Correa pode ser lida como a expressão materializada de uma resistência ao fenômeno cultural de massificação e homogeneização cultural. Mas se entendermos o modernismo como uma polifonia, também temos de entender que foi um fenômeno capaz de aproximar culturas. A obra de Charles Correa e de outros arquitetos na periferia do capitalismo foi um mecanismo de tradução das tradições locais ao idioma ocidental.
Charles Correa estudou inicialmente em Bombaim, atual Mumbai, para transferir-se à universidade de Michigam, Estados Unidos, onde estudou por quatro anos (1949/53), antes de se mudar para o MIT, em Massachusetts, também nos Estados Unidos, onde estudou de 1953 a 1955.
Ao retornar, Mumbai já era uma metrópole em franco crescimento. Em 1964, com os arquitetos Pravda Mehta e Shiresh Patel, Charles Correa elabora o projeto para a Nova Bombaim, um novo distrito para cerca de dois milhões de habitantes. Entre 1971 e 1974, foi arquiteto-chefe da agência estatal destacada para viabilizar o projeto. De seu conhecimento em infraestrutura de transportes captado em sua formação em solo norte-americano, somado à tradição indiana de uma urbanização estruturada em transporte ferroviário, desenvolveu-se um projeto cuja espinha dorsal era uma linha de trens de alta capacidade de carregamento, complementada por rotas circulares de ônibus que abasteciam o tronco principal. O conceito de urbanização adotado por Charles Correa e sua equipe contrastava com o modelo de ocupação da cidade: a partir do conceito open-to-sky, baseado em composições urbanas de baixo gabarito e de alta densidade, o projeto concebeu, em mais de 55 hectares de terra adquirida pelo Estado, um casario - a maioria térrea - estruturado por pátios privados e coletivos, local onde as atividades cotidianas acontecem tradicionalmente no país.
O contato com a cidade moderna indiana forneceu referências perenes em seu vocabulário. Essa vivência foi registrada com uma linguagem direta, desprovida de vocabulário técnico no livro The new landscape (1984). E, em Housing and urbanization: building solutions for people and cities (2000), Correa discorre de maneira mais direta sobre a construção da habitação em economias emergentes, após mais de 40 anos de experiência próximo à questão da moradia.
Da experiência de autoconstrução do casario indiano, Charles Correa traz o material necessário para refinar sua análise da arquitetura tradicional indiana, baseada na abstração moderna: em vez de focar nos rebuscados detalhamentos e na forte carga pictórica, o arquiteto investe nos elementos de relação entre exterior e interior. Para Charles Correa, o pátio, como o contato com o céu aberto, além de remediar uma condição precária da súbita metropolização da cidade indiana, retrata uma tradição cultural de realização das atividades diárias - preparar a comida, elaborar festas ou mesmo os encontros mais prosaicos - e da escala religiosa da cultura local. Correa elenca, em Blessings of the sky (1997), os três pontos tangentes dessa relação entre espaço aberto e arquitetura: 1) o habitat, no qual o cotidiano se apropria do quintal ou da varanda para complemento das atividades diárias; 2) a questão do público, principalmente de equipamentos culturais, nos quais os pátios oferecem espaços de reflexão e descanso; e principalmente, 3) a questão cívica e espiritual, presente também em cidades como Atenas, nos templos de Kyoto ou nas pirâmides de Yucatán - exemplos dados pelo próprio arquiteto.

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Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/238/artigo304242-1.aspx

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