A dimensão humana no urbanismo e o Parque Cesamar




Por Patricia Orfila.
Publicado originalmente em Jornal do Tocantins, 17/07/2015.
Opinião.
Tendencias & Ideias, p. 4.

Como atividade técnica responsável pelo estudo, regulação, controle e planejamento dos aglomerados urbanos, o urbanismo vem passando por mudanças significativas no mundo. No Brasil, os espaços públicos se tornaram palco de manifestações nos últimos anos, trazendo à luz o importante debate acerca do direito à cidade.
A dimensão humana vem ganhando cada dia mais espaço nas questões do urbanismo contemporâneo, mas desde a década de 60 o modelo baseado nos imperativos do urbanismo modernista já vinha sendo questionado e uma obra merece destaque nesse contexto: “Morte e Vida de Grandes Cidades”, da jornalista e escritora Jane Jacobs. Segundo a autora, o crescimento do tráfego de automóveis e a excessiva separação de funções acabariam por prejudicar o espaço público, tornando-o sem vida e esvaziado de pessoas. Em 2010, o arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl reinsere a provocação em seu livro já mundialmente conhecido e intitulado “Cidade Para Pessoas”, em que o planejamento urbano é baseado no comportamento humano e tem propostas que incluem as seguintes diretrizes: o pedestre como protagonista do espaço público, o incentivo ao uso de transporte não motorizado, a moderação do tráfego de automóveis, o uso misto nas funções urbanas e o aumento da densidade. Para ele, existe uma relação dialética imprescindível: “Primeiro nós moldamos as cidades – então, elas nos moldam”.
No contexto de Palmas, capital planejada do Tocantins, a presença marcante de muros na paisagem, quadras inteiras de costas para as avenidas, ausência de calçadas e de espaços públicos propícios ao encontro, unindo-se a prioridade dada ao transporte motorizado e ao recente fenômeno da condominização do território, materializa a resposta aos que possam vir a questionar se existem cidades que não sejam para pessoas.
Mas nem tudo são hesitações – a reinauguração do Parque Cesamar, em maio deste ano, provocou grande movimentação de pessoas, atraídas por qualidades ambientais que foram reforçadas e ampliadas numa reforma que durou quase um ano, com a inserção de equipamentos de ginástica, pista para corrida de bicicletas, brinquedos infantis, lanchonete, mobiliários urbanos, pequenos comércios e serviços, trilhas e um extenso gramado disponível para múltiplas atividades ao ar livre. O parque funciona desde 1998, quando recebeu o nome de seu idealizador, o advogado Cesamar Lázaro da Silveira (1962 – 2006), praticante de corridas de velocidade e incentivador das práticas esportivas. O local sempre foi bastante frequentado, sobretudo pelo uso do circuito de 2.835m que envolve o lago, abraçado pelas sombras das árvores e por uma natureza exuberante, muito propício às atividades de caminhada e corrida.
O desenho orgânico do parque em contraposição à grelha repetitiva do desenho de Palmas coloca o usuário em contato com novas sociabilidades, a proximidade entre pessoas gera necessidade de tolerância com a diversidade. A iluminação adequada contribui com o fator “sensação de segurança”, mas neste caso é promovida mais pela presença maciça de pessoas (“os olhos da rua”) do que propriamente da polícia que mantém seu aparato bastante visível.
De acordo com o Plano Urbanístico de Palmas (1989), os ribeirões que nascem na Serra do Lajeado e que atravessam transversalmente a cidade poderão ser transformados em parques lineares. Caso o planejamento seja respeitado, teremos então importantes parques lineares democratizando a localização de áreas verdes urbanizadas de norte a sul do extenso perímetro urbano.
Portanto, as práticas de planejamento devem priorizar a dimensão humana no desenho, questões relativas à percepção ambiental, ou seja, a escala e sua relação com os sentidos humanos. Logo, valorizar a aproximação entre as pessoas e garantir a livre expressão da diversidade humana é um passo importante que foi dado no caso do Parque Cesamar. Então, que mais parques floresçam em nosso cenário palmense – áreas propícias não faltam, como o Bosque da Borboleta Azul e o Palacinho, por exemplo.
Enfim, que das janelas dos nossos carros, das torres que habitamos ou de trás de nossos muros, não percamos a noção da dimensão humana, pois fatalmente são essas distâncias que nos embrutecem e ampliam o nosso medo do outro. 




Patricia Orfila é Arquiteta e Urbanista, Doutora em História Social e Docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFT.

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